ATA DA DÉCIMA NONA SESSÃO SOLENE DA SEXTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 17.05.1988.

 

 

Aos dezessete dias do mês de maio do ano de mil novecentos e oitenta e oito reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Nona Sessão Solene da Sexta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada à entrega do Prêmio Literário “Érico Veríssimo” ao Poeta Luiz de Miranda. Às dezenove horas e trinta e quatro minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidade presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Brochado da Rocha, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Prof. Joaquim José Felizardo, Secretário Municipal de Cultura; Dr. Fúlvio Petracco, Presidente regional do PSB; Sr. Luiz Coronel, representando o Conselho de Cultura; Jornalista Firmino Cardoso, representando o Presidente da Associação Rio-Grandense de Imprensa, Dr. Alberto André; Jorn. Danilo Ucha, representando o Presidente da RBS, Dr. Jaime Sirotsky; Bispo Isac Aço, representando a Igreja Metodista do Brasil; Poeta Luiz de Miranda, Homenageado; Ver.ª Gladis Mantelli, 1ª Secretária da Casa. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Adão Eliseu, em nome das Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PT, PC do B e PCB e em nome do proponente da Sessão, Suplente Kenny Braga, leu discurso escrito por esse Suplente, em que é feito um relato sobre a obra literária do Sr. Luiz de Miranda, como Poeta e Tradutor, e é destacada a personalidade de S. Sa., como ser humano apaixonado pela vida boêmia e voltado para as causas sociais. E o Ver. Artur Zanella, em nome do PFL, falou sobre a poesia escrita pelo Homenageado, ressaltando os temas por ele escolhidos. Citou palavras do Escritor Moacyr Scliar, sobre a obra do Sr. Luiz de Miranda e sobre a importância do poeta para o testemunho e para o desenvolvimento da sociedade. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Prefeito Alceu Collares, que prestou sua homenagem ao Poeta Luiz de Miranda. Em continuidade, o Sr. Presidente convidou o Prefeito Alceu Collares e o Suplente Kenny Braga a procederem à entrega, respectivamente, do Prêmio Literário “Érico Veríssimo” e do Troféu “Frade de Pedra” ao Sr. Luiz de Miranda e concedeu a palavra a S. Sa., que agradeceu a homenagem prestada pela Casa. A seguir, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezoito horas e quarenta e quatro minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariados pela Ver.ª Gladis Mantelli. Do que eu, Gladis Mantelli, 1ª Secretaria, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelo Sr. Presidente e por mim.

 

 

O SR. PRESIDENTE: Declaro abertos os trabalhos da presente Sessão Solene.

Como o autor da proposição, Ver. Kenny Braga, não se encontra no exercício do mandato, a Mesa concederá a palavra aos Vereadores Adão Eliseu e Artur Zanella.

Concedemos a palavra ao Ver. Adão Eliseu, que falará em nome do autor e pelas Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PT, PC do B e PCB.

 

O SR. ADÃO ELISEU: (Menciona os componentes da Mesa.) Minhas senhoras e meus senhores. A vida nos leva de um lugar para outro e, de repente, nos encontramos na contingência de ter que substituir um poeta que deveria falar a outro poeta. Eu me refiro ao Ver. Kenny Braga que, por razões que todos nós conhecemos, se vê impedido de estar nesta tribuna, neste momento, mas é o Vereador que propôs a homenagem, o prêmio, ao nosso Poeta. Não vai ser fácil esta tarefa. Qualquer pessoa, na minha situação, diria a mesma coisa. Não vai ser fácil substituir o Ver. Kenny Braga, mesmo tendo ele confeccionado o discurso, para que eu o leia. Mas nós vamos tentar, Ver. Kenny Braga, fazer jus à confiança que V. Exa. em nós depositou. Eu quero citar, também, a honra que nos deram os Partidos – PDT, por ter aceito a nossa indicação, meu Partido e minha Bancada.

Luiz Carlos Goulart de Miranda nasceu no dia 6 de abril de 1945, no bairro do Riacho à beira do Rio Uruguai, em Uruguaiana. Luiz de Miranda escreveu os seguintes livros: Andanças, em 1969; Memorial, em 1973; Solidão Provisória, em 1976; Estado de Alerta, em 1981; Porto Alegre, Roteiro da Paixão, em 1985; Amor de Amar, em 1986 e Antologia Poética, em 1987. Também participou de antologias coletivas e traduziu últimos poemas de Pablo Neruda. (Lê.)

“As grandes homenagens prestadas nesta Casa são rituais solenes, onde não faltam adjetivos sonoros e pensamentos bem comportados. E nada indica que um dia será diferente, porque a vida dos Legislativos também é feita com regramentos e maneirismos burocráticos. Mas, hoje, nesta solenidade, em que se atribui ao poeta Luiz de Miranda, a outorga do “Prêmio Érico Veríssimo”, de reconhecimento ao humanismo vigoroso de sua obra poética, nós queremos simplificar o ritual da solenidade, que o uso e o costume consagram através do tempo. A um poeta, não se chama de senhor; a um verso, não se lê com o sentimento engravatado. Principalmente, quando esse poeta se chama Luiz de Miranda e atrás, no andaime das pupilas, a construção de tantas paisagens recolhidas ao longo de uma viagem constante e apaixonada dentro da vida. Quando esse poeta vem do meio do pampa onde se fez adulto no milagre da compreensão e do amor, para fazer versos e nos dar, por intermédio deles, o testemunho privilegiado de uma época. Aqui, cessam todas as limitações protocolares da homenagem; aqui, florescem todos os mandamentos consagrados da homenagem. E fica, apenas, a disposição de se falar sobre o homenageado, exatamente como ele é: livre, terno, contraditório, boêmio, apaixonado, entusiasmado, caminhante, noturno, disponível, simples e namorador. Sim, namorador, porque há em Luiz Miranda, a necessidade vital de trocar afetos, de permutar sentimentos, de inaugurar paisagens, de romper barreiras, de construir e reconstruir sonhos à janela das meninas em flor. Quando as portas e as janelas dos bares da vida desabam na sonolência difusa das madrugadas e um homem triste pede o último copo de vinho, não se cometa o equívoco de pensar que o poeta Luiz Miranda está dormindo. Provavelmente ele é aquele homem triste que pede o último copo de vinho; provavelmente ele é o atento confidente do homem triste do qual vai recolher histórias para transformar no canto generoso de sua alma inquieta.

Os bares são essenciais na vida de Luiz de Miranda. Mais essenciais do que o sol do meio-dia, mais essenciais do que os pores-do-sol do Guaíba e os dias de primavera do Parque da Redenção. Justamente, porque é no espaço luminoso e esfumaçado do bar, que o Miranda recria, a partir do depósito bem sortido da memória, todos os momentos importantes da sua vida, passados em Uruguaiana, em Porto Alegre, em São Paulo, no Panamá, nos Estados Unidos ou Santiago do Chile. O bar, ao contrário do que se poderia pensar burguesmente, não é o território da dispersão e do tédio. É o espaço da concentração e do afeto, da pulsação emocionante das horas e do lucro incomensurável do imaginário. O bar é o projeto do mundo justo e livre de preconceitos que todos os poetas, se realmente foram poetas, desejam construir. No bar, nós chegamos para ficar, embora saibamos que há um momento em que de lá devamos sair. No bar, nós somos pessoas e não escombros. No bar, nós consumimos a ração de poesia, sem a qual não poderíamos viver.

Então, a poesia de Luiz Miranda se faz preferencialmente à noite, no rastro de uma frase espirituosa, de uma confidência tímida de um olhar carinhoso, de uma música vagamente romântica que se acaba de ouvir. Mas, paradoxalmente, a poesia de Luiz de Miranda não é feita de sombras, nem de negações estéreis. A poesia de Luiz de Miranda tem sido sempre, não importa em que época, não importa em que circunstância, um facho de luz voltado para o futuro. E, acima de tudo, um compromisso de fidelidade e paixão com os graves problemas sociais do seu tempo. Ao contrário de muitos poetas que somente cavalgam pobres questiúnculas individuais, Luiz de Miranda agarra-se às crinas do vento para ver e depor sobre o que está acontecendo no vasto panorama do mundo ao redor.

Assim, ele morreu um pouco quando as balas do imperialismo fulminaram Che Guevara no pobre solo boliviano; quando assassinaram Salvador Allende; quando condenaram o Presidente João Goulart a morrer no exílio, sem direito a rever, ainda que por alguns momentos, a terra gaúcha em que nasceu. Assim, ele morreu um pouco quando percebeu o sofrimento do camponês sem terra, do peão de estância deserdado, do estudante torturado, do trabalhador injustamente preso, do intelectual desprezado pelos donos da vida, que só falam a linguagem da soberba, do sucesso e do dinheiro fácil.

Tantas mortes e tantos renascimentos, que só um poeta da sensibilidade imensa do Luiz de Miranda pode ter. Mas o impressionante nisso tudo é que, apesar dos sofrimentos e das angústias das dificuldades e dos medos, Luiz de Miranda nunca foi e não é um homem ressentido. De certo modo, ele continua a ser o menino magro que disputava peladas nas ruas de Uruguaiana, o adolescente curioso que participava de memoráveis caçadas nas matas do Rio Uruguai. Exatamente, como jeito de menino e o procedimento de menino, apesar da queda acentuada dos cabelos e do olhar brilhante registrando, sem pausas, todos os milagres da vida. Ou não se deve comparar a um menino o homem que, na idade adulta, à caminho do velhice, se mantém fiel às grandes esperanças e aos grandes ideais da mocidade? Ao homem capaz de entender que o mundo não pode ser eternamente, a morada dos violentos, dos prepotentes, dos exploradores, dos canalhas, dos vilões, dos parasitas e dos maus, de todos os credos e todos os matizes?

A eterna meninice dos poetas e dos idealistas é o fermento transformador da humanidade. Sem ela, estaríamos irremediavelmente perdidos. Não teríamos a garantia de que o mundo é viável e de que, amanhã, os passarinhos vão cantar novamente. Obrigado ao poeta menino Luiz de Miranda, combatente lírico da América, cidadão do mundo, pastor das estrelas, vigilante da vida, amante primeiro e único de Porto Alegre, onde realizou e realiza o seu roteiro da paixão. Sabemos, que além de nós, seus irmãos, a ele se juntam uma nobre família, que vai de Nicolás Guillen a Vinícius de Moraes, de Violeta Parra a Juan Gelman, de Mercedes Soza e Beth Carvalho, de Valdeni Elias a Mário Quintana, de Alceu Valença a Alfredo Zitarossa, de Gerado Mello Mourão a Demóstenes Gonzáles. Uma família que não se extinguirá jamais, porque alimenta o seu olhar com o brilho das estrelas e porque cultiva uma rosa branca, mesmo quando as injustiças desgraçam o mundo e a bondade desespera por falta de utilidade.”

Dissemos aqui desta tribuna o que nos foi mandado dizer pelo Ver. Kenny Braga, proponente desta homenagem. Mas o poeta é um fingidor, como diria o poeta português: “finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A seguir, com a palavra o Ver. Artur Zanella. S. Exa. falará em nome do PFL.

 

O SR. ARTUR ZANELLA: (Menciona os componentes da Mesa.) Meus senhores e minhas senhoras. No protocolo desta Casa existem algumas coisas imutáveis e algumas coisas que muitos não entendem e é até difícil de entender e entre eles o fato de que Kenny Braga, quem solicitou a homenagem e faz com que numa tarde de um dia atribulado todos nós estendamos um pouco essas atribulações e passamos a homenagear um poeta, homenagear a poesia, pois esse nosso protocolo faz com que o autor da homenagem não faça. E também o nosso protocolo faz, normalmente, que o autor da homenagem redija o discurso que, na verdade, traz para cá a biografia do homenageado, cabendo aos outros somente pinçar algumas qualificações, algumas qualidades e as traga para este Plenário. Eu conheci o Luiz Miranda no dia de lançamento da antologia sobre o Chalé da Praça XV. Era Secretário de Educação, à época, a Profª. Ester Von Zucalmaglio. E lá impressionei-me com aquela pessoa a quem eu não conhecia, ao ver que na sua prosa brilhante apareciam muitas coisas que eu também sentia, apesar de não ser um poeta. Ao contrário, sou eu incapaz de escrever uma poesia. E, depois, acho que descobri por que isso: nós temos aqui o Kenny Braga, Danilo Ucha, que são de Livramento; Prefeito Collares, Luiz Coronel, que são de Bagé; Dr. Petraco, de Passo Fundo; que conhecem o pampa, conhecem as coxilhas, conhecem o minuano. Mas o fronteirista de Uruguaiana ou de minha Itaqui, onde me criei, ele conhece algo mais, ele conhece as Missões. Conhece as Missões com suas histórias de jesuítas que fogem à noite dos soldados portugueses e espanhóis, conhece as histórias de tesouros enterrados, que nunca ninguém descobriu, mas quase todos procuram; ele conhece o Rio Uruguai. Aquele Rio imenso que faz todo jovem, toda criança sonhar, quando se é pequeno.

E ao ver que o Miranda estudou no Dom Ermeto, não estudou no Santana nem no União, que eram os colégios dos ricos, estudou no Dom Ermeto que era um colégio público, eu imagino o sacrifício que a Dona Francisca deve ter tido para educá-lo e transformá-lo num cidadão do mundo.

Há poucos dias eu via o Miranda, num programa de televisão para todo o Brasil, colocando lá as suas idéias e levando para o Brasil inteiro tudo aquilo que o Rio Grande do Sul representa. Então, é por isso, Miranda, que apesar de eu não ser um poeta, eu fiz questão, hoje, em nome do meu Partido, que é o PFL, vir homenageá-lo.

Copio também dos outros, e isso faz parte do Projeto apresentado pelo Kenny Braga, dizendo o que Moacyr Scliar cita: “que nesta Cidade vive outra cidade.” (De Luiz de Miranda.) E é esta outra Porto Alegre que ele nos convida a descobrir. Um convite irresistível. Primeiro, porque feito com paixão; segundo, porque feito com arte. Poesia é o roteiro da vida de Luiz de Miranda. Em poesia se transformam os caminhos por onde ele passa. “Venham à mágica Porto Alegre.” (De Luiz de Miranda.) “É uma cidade extraordinariamente bela e humana.” Esta é a função dos homens públicos desta cidade, fazer com que todo o seu povo tenha, em Porto Alegre, e é este o trabalho específico do Vereadores, do Prefeito, de todos aqueles que lutam por esta Cidade, é fazer com que ela seja a Cidade mágica, pensada por Luiz de Miranda. E diz mais o Projeto: “A poesia nunca mudou nada, mas o poeta dá o nome individual a uma aspiração social. Todo poeta é social e o que vale para ele é a capacidade de testemunho.” É o que o Luiz de Miranda vem fazendo com sua obra, que nos ajuda a superar a alienação tecnicista da sociedade contemporânea. Repito: “A poesia nunca mudou nada, mas o poeta dá um nome individual a uma aspiração social”.

Concordo com tudo o que foi dito, não concordo com esta frase que é do Danilo Ucha, que está aqui, porque eu acho que a poesia e os poetas, os escritores, devem mudar a nossa sociedade, porque os tecnocratas, os tecnicistas, já tentaram de tudo para fazê-la mais bela e mais feliz, e não conseguiram. Cabe dar, agora, esta posição, aos poetas e aos escritores, como, neste caso, ao nosso homenageado, Luiz de Miranda. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convido o Sr. Prefeito Alceu Collares a se dirigir ao homenageado.

 

O SR. ALCEU COLLARES: (Menciona os componentes da Mesa.) Meu prezado e querido amigo Luiz de Miranda, nós fizemos uma amizade muito profunda, muito longa, quando nos encontramos aí pelas estradas da existência, na caminhada que cada um faz pela própria vida. E sempre encontramos, no companheiro Luiz de Miranda, um universo muito grande de virtudes e qualidades. E o Kenny Braga, como poeta que é, colocou, na voz do companheiro Adão Eliseu, de forma magistral e simples, como simples são os poetas. Parece que na raiz da grande poesia, da grande arte, de toda a grande criação está exatamente a simplicidade e a humildade. E eu não conheço o poeta, salvo alguns ingleses e outros que saiam pelas ruas até puxando animais, que eram petulantes. É da essência, da natureza do poeta, primeiro, qualquer que seja a sua idade, manter uma idade de criança para ver a vida como criança, com um sonho de criança, com as utopias e fantasias que evidentemente fervilham no mundo da criança. O nosso Luiz de Miranda desde que nos conhecemos tem demonstrado um conjunto muito grande de qualidades, além, evidentemente, da sua condição de poeta, dos melhores, uma poesia que dá gosto, que dá vontade da gente ler e neste mundo tão materialista é bom que principalmente o homem público de quando em quando apanhe um livro de poesias. É assim como que um refrigério par a alma. Faz bem para a gente quando a poesia é boa, quando a poesia tem um grande significado na beleza das suas palavras, da sua rima, da sua melodia, do seu conteúdo, como é todo o trabalho do companheiro Luiz de Miranda. O Luiz de Miranda além de ser um caminhante, é um homem inconformado. Aliás o poeta, todo, é um inconformado. O poeta é sempre um rebelde. O poeta consegue colocar na poesia o mundo que ele sonha. Aquilo que ele gostaria que fosse o mundo.

Por isso quando a gente está no mundo do ideal, buscando sonhar com dias melhores para o nosso povo, para a nossa gente, há outros que dizem assim: é um poeta. Apontam a gente como se fosse um defeito: é um poeta. Mas eu não imagino que o mundo pudesse fazer as suas revoluções e as suas transformações de profundas mudanças ao longo da caminhada da humanidade sem um poeta, sem a antevisão que tem o poeta do desdobramento dos processos políticos, econômicos e sociais. Nós tivemos poesias maravilhosas, encantando o mundo inteiro, e aqui falaram vários poetas neste Fernando Pessoa que também cantou a todos nós, eu acho que depois de Camões é um dos melhores, com essa sua quadrinha “o poeta é um fingidor e finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” Pega outro que ontem, anteontem foi tão declamado, o nosso poeta negro, embora branco na pele, que é o Castro Alves; poesias belíssimas e uma delas – que eu considero das maiores, não falando em Navio Negreiro, nem em Vozes da África, mas no livro “América”, quando ele diz: “o livro, esse audaz guerreiro, que conquista o mundo inteiro sem nunca ter ... é elo de pensamento que abrirá a gruta dos ventos donde a igualdade voou; por uma fatalidade, dessas que desce do além; o século que viu Colombo viu Gutemberg também”.

Eu sempre me metia nisso, não é Kenny? Não vou dizer aqui que era tomando as nossas cachacinhas, mas nós andávamos por aí e gostávamos disso, chegava um momento, Luiz Coronel, que se não me deixassem eu fazer uma declamaçãozinha eu saia doente. Este é o espírito do bageense que é meio exibido, exibido no bom sentido, porque gosta de dizer as coisas.

E aqui de um grande poeta; “E eu cultivo uma rosa branca em janeiro e em fevereiro ao amigo sincero que me estenda a sua mão franca; e ao cruel inimigo que o meu coração arranca, nem cardos, nem urtigas eu cultivo; eu cultivo uma rosa branca”.

Tem coisas extraordinariamente belas que só o poeta sabe fazer. Eu, às vezes, acho que a poesia supera todas as outras artes; no meu entendimento é muito mais do que cultura; é muito mais eu os artistas da arquitetura que chegam a tirar os alicerces e depois levantar edifícios: eles fazem os edifícios dos sonhos e os edifícios das utopias e das fantasias.

Tem aí um outro que tem uma quadrinha linda também que até o titulo é bonito. Isto tudo, eu estou fazendo em homenagem aquilo que eu gostaria de ser, eu gostaria de ser poeta, como eu não sei, eu decoro o que os outros dizem. Eu fiz uma poesia só e fui aconselhado com muita veemência a nunca publicar, porque o meu filho achava que eu poderia sofrer agressões das mais violentas. Então, não me meti. Tenho muitas profissões, essa aí eu não fiz a conselho do meu menino, que tem um ouvido bom, é um grande músico, é um grande artista: “Não te mete, pai, sai dessa.” Tem uma quadrinha muito bonita cujo nome é “Ladrão Roubado”: “Noite escura, um revólver, um ladrão e eu; a bolsa ou a vida, indiferente escolha, ambas estão vazias.” E a daquele nordestino, que diz assim: “A saudade é um parafuso que tendo rosca não cai; só entra se for torcendo, porque batendo não vai; mas quando enferruja dentro, nem destorcendo não sai.”

Mas eu vou terminar, e sei que vou fazer uma homenagem muito grande ao meu querido Luiz de Miranda que foi, na verdade e de fato, o primeiro Secretário de Cultura do Município de Porto Alegre. Foi o nosso homem de confiança durante um longo tempo da Divisão de Cultura do Município, onde deixou um trabalho muito bom. Mas o poeta não dá para ser funcionário público, é muito difícil, porque tem essa tragédia dos horários, não é, Luiz? E como é que vai fazer poesia 8 horas por dia? Não dá! Chegar às 2 horas para pegar no expediente! Mas que poeta é esse? Não é poeta que se preze, que não tem horário, que não tem noite, que não tem dia, que não tem terra, qualquer lugar é o lugar dele, ele é universal. E o Luiz de Miranda é assim. Então, nessa poesia, eu tenho certeza de que ele vai gostar demais, porque ele é um dos grandes admiradores de um homem que todos podem até discordar das suas idéias, mas ninguém pode deixar de exclamar pelo menos quando ler a suas vida e verificar que ele foi um dos poucos que encarnou, neste mundo, e morreu o seu ideal. Ele viveu e morreu um ideal, que é o Che Guevara: “Yo soy un hombre nascido, alla en la pampa llejana, pero my sueño querido, es la patria americana; no tengo tierra ni casa, no tengo nombre ni nadie, soy como el viento que pasa, un viento de libertad; hambujo por los camiños, en todo sube encontrar, la mano del pueblo amigo, que me vino acompañar; manãna, quando yo muera, no me venga llorar, nunca estaré bajo tierra, soy cielo del libertad; mañana, quando yo muera, oygan queridos hermanos, quiero una America entera, com el fuzil en la mano.”

Meu querido Luiz de Miranda, não prossigo mais porque daqui a pouco vou acabar esquecendo deste verso e vai ser um vexame. Um grande abraço para ti e acho que a Câmara tem prestado grandes e merecidas homenagens. E, hoje, é um desses dias, que, através da lembrança muito propícia, oportuna e merecida, o companheiro Kenny Braga, a Câmara Municipal de Porto Alegre presta uma homenagem a um poeta dos maiores. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convido o Sr. Prefeito de Porto Alegre, Dr. Alceu Collares, a fazer a entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo, nos termos da Resolução n.º 725, de 22 de outubro de 1979, a Luiz de Miranda, poeta gaúcho, por sua valiosa contribuição para o enriquecimento das letras nacionais.

 

(É feita a entrega do Prêmio Literário.) (Palmas.)

 

Convido o Vereador, fora de exercício, Kenny Braga, para fazer a entrega do Troféu Frade de Pedra ao nosso homenageado.

 

(É feita a entrega do Troféu.) (Palmas.)

 

A seguir a Câmara Municipal de Porto Alegre tem a honra de ouvir o homenageado, Luiz de Miranda.

 

O SR. LUIZ DE MIRANDA: (Menciona os componentes da Mesa.) Querido e amadíssimo Kenny Braga, meu irmão de tantas parcerias na vida; caríssimos Vereadores aqui presentes, companheiros, amigos, amigas; pessoas que pensam o socialismo através de uma reflexão marxista do mundo; pessoas que não pensam assim e são honestas, nobres e boas e pretendem, também, salvar pessoas e mudar o mundo; companheiros que escrevem, que compõem, e diariamente entregam a sua alma, o seu coração nessa tarefa cotidiana e insofismável de redescobrir e nominar o mundo. Caríssimo mestre e querido amigo dos maiores escritores desse País, aqui presente, Guilhermino César, meu mestre e meu querido amigo. Meu querido amigo, editor, Ivan Pereira Machado, da LPM, e tantas outras pessoas que não poderiam aqui nominá-las pessoalmente; meu amigo de mais de 20 anos, editor do 1º livro, escritor Sérgio Faraco, do Alegrete, minha segunda terra. Companheiros que pensam, que podem e devem mudar o mundo para melhor.

“Porto Alegre, Porto Alegre / alegria / pra nós que precisamos, / nós que somos mais tristes / que alegres / e vivemos esse tempo, / essa morte, / esse pássaro de febre.

A paixão mora / dentro do coração alucinado / Vamos, cidade, vamos / mais rápida / que a sobra do ar, / vamos num pé de vento / mais secreto que o pensamento.

Vamos Cidade,  vamos à aurora de todas as idades como se não existisse o tempo dormindo no fundo das coisas;  vamos, Cidade, vamos me leva em teus barcos, rios, às correntes de além-mar, onde eu possa sempre morrer de amar;  vamos, Cidade, vamos a paixão é fome nas nuvens da alma; a paixão rouba do amor seu silêncio mas dá ao amor o seu sustento; vamos, encontra a luz enlouquecida dos cometas, vamos às palavras na febre azul do planeta; vamos, Cidade, vamos.

Vou pela Cidade alucinadamente alegre, pensando e escrevendo nos ombros da poesia, a poesia que luta ao custo mais grave às portas da tristeza para cristalizar num instante a beleza. Pela janela da manhã espio o sofrimento indecifrável das pessoas, sua sombra de agonia, as ruínas do coração e se esconde na pressa feérica com que se cruzam. A pressa com que se confundem na paisagem cinza da grande cidade. Pela mais alta janela espalho o suspiro da paixão, estabelece as geografias possíveis do amor e tenho de me nutrir do cansaço, do desamparo, da despedida, com uma estrela no céu, como uma estrela no sonho e a palavra na sua pluma de segredo me translada ao território dos sentimentos inaugurados. Tenho de me nutrir das minhas próprias feridas e nas asas de sua dor equilibrar o vôo de largo alcance inseguro e triste. O vôo necessário com uma janela para o céu e mesmo com esta noite dentro da alma eu te venero, único vôo, única esperança. Vida, vida, na pétala gris do sonho, na pérola de luz do amor, no pálio de sangue da aurora. Vamos, Cidade, vamos. Viajo e vejo este sol ocidental em meio ao charque, à paciência engomada da esperança, em meio às moscas tontas do início da tarde. Viajo no dia lento e pesado, de mel, de melado; dobrando a infelicidade nas fibras íntimas do poema; que respira por mim entre os cheiros domésticos e o caminho de poeira escrito pelo vento.

Até hoje o coração opaco; na alma fugidia, onde viaja a ardência dos barulhos da paixão, fera misteriosa que assalta no cotidiano infeliz da Alameda O’Higgins em Santiago do Chile ou na Rua da Praia, onde a necessidade de alegria espanta o desamor.

Vamos, Cidade, vamos; que tudo é cidade, a paixão surda e muda, animal de estimação, nos escuda do bem e do mal.

Tudo é cidade; com seu moinho de gente que amamos à sombra da vida precária; nosso bem necessário.

O que viaja acima das nuvens altas, dentro do azul do espaço, o que está acima e abaixo, é cidade; qualificando o sentimento com quem habita; com o fogo de criara outras palavras, ou com a emoção simples de criar,

Criar, criar, criar, único modo de me salvar!

Tudo é cidade, mas pouco brilha na sua felicidade; há muito silêncio guardando as pessoas, como se fossem objetos, muro da sua própria dor; como se fossem a vida arrancada da infância.

Palco sem margem da tristeza estagnada; do que seria o cristal sem luz dos arrabaldes, onde os ruídos da esperança é o impenetrável sono; em que mortos e vivos convalescem no mesmo espaço .

Vamos, cidade, vamos; de repente, a vida desce na próxima parada e ninguém registrará nada, a não ser a fala muda do destino acendendo o rosto da paixão, como se fosse uma cerveja acendendo o rosto da paixão, como se fosse uma cerveja num bar de fim de linha.

Mas entreaberta viaja, minha alma infeliz, liquidamente triste, tão isolada como alegria do meu País; vamos, Cidade.”

 

“A cidade vem me caminhando os girassóis

do sonho. Como tormentas de folhas, de um

outono alucinado, joga no espelho da noite

os pesadelos da vida e da morte. O ar mofado

da ausência, como uma flor exilada ao silêncio.

A cidade é uma beleza às avessas. Que não

 ilumina as distâncias do caminho. O caminho

 é pobre. No ônibus da Vila Safira o destino

balança o sangue triste e nervoso da miséria,

e os rostos amanhecem uma estranha beleza,

a que voa acima da constelação do olhar,

a enferma beleza dos pobres, que em seus

ossos tímidos roem o cálcio natural da vida

e da liberdade. Seria menos pobre e infeliz,

se a cidade não fosse Porto Alegre? Se fosse

uma cidade austera, religiosa, branca, democrática,

ao norte da Europa, com frio seco e papoulas

doméstica seríamos mais felizes?

A pedra onde estamos prende-se a uma pedra maior,

ao espírito duro da terra, nossa mãe, também

protetora, também esperança, que, apesar de todos os

pesares, ilumina o coração. Que contração

dialética poderá existir entre a umidade gris

de Porto Alegre e sua assemelhada londrina?

Que realidade exterior poderia sangrar mais

nossa realidade interior que este ônibus

de miséria girando incessante em torno

da cidade? Que tristeza maior esta de escrever

poemas onde ninguém lê, e de saber, como meu amigo

Juan Gelman me diz desde Buenos Aires “ni

com miles de versos harás la revolucion”.

Poderemos diminuir a dor do mundo com estas

palavras trazidas aos pedaços, do sentimento

mais quente da alma? Poderemos diminuir as

distâncias entre as mãos em fevereiro e dezembro,

quando os dias vestem suas vestes

coloridas. Poderemos, sinceramente, amar, com

estes versos escritos sob a pureza escura

do vinho, e incendiar uma canção, num final

de madrugada. Mas o que mais podemos é continuar

golpeando o mundo, ao raiar do dia, com nossa

voz unida, no portal da vida”.

 

“Andarei as ruas da cidade

toda a vida

é um ser na vida

um estar no mundo

que se anuncia

mais forte

como a alma no fundo do rio

iluminada de fezes

 

Serei sempre a cidade

ainda que nela

não sobreviva

as manchas do destino

irão mais fundas

em sua geografia

como uma ave

que jamais arribará

na Fernando Machado

no Baixo Bom Fim

na Bento Gonçalves

na Lima e Silva

em todas as ruas da cidade

perpetuo uma estação de sombra

uma residência na sombra

um navegar a noite

 

Andarei as ruas da cidade

toda vida

embora não haja mais o clarão

da aurora sobre minha cabeça

o esfarelar das folhas na manhã

mas apenas os retratos

nas casas dos amigos

a dormir entre crianças

que sabem ouvir a voz

das palavras no sonho

 

Vamos alimentá-la

do sabor clandestino da poesia

e desse tecido abstrato

que tange nos nervos

e ilumina nossa carne

dobrando-se à geografia

de vozes e sonhos

a cidade a cidade

 

Respira por mim Porto Alegre

mais triste que alegre

eu que procuro cantar

sem afastar a dor maior

que é a dor geral

que não tem nome

porque é de todos

principalmente dos homens

humildes e humilhados

que trabalham suas vidas

à luz da miséria

de cada dia

 

Que nos arrabaldes

podemos vê-los indecifrados

na paisagem de espinhos

desta cidade tão desgastada

pelo egoísmo

que a flor preferida é o dinheiro

que seca o coração

e põe os olhos

num horizonte sem luz

 

Porto Alegre Porto Alegre

eu te canto para além

de toda a miséria

porque em ti vive o melhor de mim

e somos a mesma semelhança

a luzir às frestas

desamparadas do meio-dia

 

Eu te canto, cidade,

como minha pátria

loucura e paixão

onde meus ossos encontram

o sono mais pesado

e me concilio num caminho para morrer.”

 

Em cima disso, e por isso, está a pedra angular da cultura. Sobre a cultura, sobre o homem que baixa a cabeça e escreve e que, independente do que escreve, vai mudar o mundo, está a História. E, quando olhamos para trás, para entender que a cultura é a pedra angular de todo o grande País, de todo o grande lugar, que só construiremos um País, quando fundarmos uma cultura e fundarmos também um País, e olhamos para trás e encontramos um filósofo grego chamado Thales que fez a pergunta inaugural do pensamento e anos depois, em 1954, com Adenauer, fazendo um grande discurso reinaugurando ou restaurando uma nova Alemanha, livre e democrática, estava cristalizada na Floresta Negra o pensamento de Martin Heiddiger e Thales escreveu, riscou no Mar da Jônia “Odiliquos”, o triângulo isósceles, e a partir da li o mundo começou a mudar. Mas Thales era um homem desocupado, um homem sem amparo dentro da sociedade que servia. E eu penso que hoje também é assim. E lá, naquele distante País, outro grego desocupado escrevia 95 proposições de matemática, e era Euclides, e o mundo nunca seria o mesmo. E também um outro homem tentou marcar a História com força da sua espada e tentou abrir o Caminho das Índias, um caolho chamado Camões – Luiz Vaz – mas foi com os “Lusíadas” que se fundou um País e se fundou a cultura e não com a força da sua espada. E Dante Alighieri que foi expulso da sua cidade como traidor da Pátria foi aquele que teve que ir ao purgatório e ao inferno e ascendeu depois ao paraíso e deixou o Renascimento para o mundo. E o povo judeu, que dois mil anos de Diáspora não conseguiu dispersar-se, porque tinha Isaías, Ezequiel, Daniel, Naum e Abacuc, os grandes escritores de uma cultura e é só com uma grande cultura e tendo homens que a escrevam é que permanece a memória dos povos. Então é por isso que eu falo para vocês que o dever do poeta, independente, porque com um poema não se entra grátis no cinema. Com um poema, meu caríssimo Prefeito, não se arruma uma namorada. Com um poema, meu caríssimo Kenny Braga, não se faz a Revolução, mas o poeta baixa a cabeça e escreve. É deste ofício, diário, quotidiano e irreversível que o homem precisa-se nutrir, mas o mundo capitalista é profundamente antipoético, na sua gênese, na sua praxe, não dá espaço para que o homem pense melhor o mundo, para que homem consiga escrever palavras no vento e escrever o azul, eternamente azul, sobre todas as pessoas.

E é por isso que eu estou aqui, para dizer que é preciso que cada um cumpra o seu ofício, independente do pragmatismo; independente do que teremos amanhã, um artista verdadeiro baixa a cabeça e escreve, constrói e caminha sobre todos e deixa rastros luminosos na estrada, ainda que solitário, para que outras pessoas, vendo essa luminosidade, entendam que por ali passou alguém que tinha um sentimento do mundo grande, generoso e a generosidade está em a gente trabalhar pelos outros, independente da resposta que o mundo capitalista manda que se dê. Eu acho que precisamos construir um País, estamos reconstruindo uma Cidade. E quando falei, às vezes, duramente de Porto Alegre, era porque esse tempo era 1981. Vejo que ainda precisamos construir um Estado e precisamos construir um País. Então, cumpramos o nosso ofício de palavras e canções, desenhemos, diariamente, as nossas concepções do mundo; pintemos mestre Elias e queridíssima Ana alegra os nossos quadros; pintemos sempre, porque é dessa magia, é desse música que Pery de Souza faz, que o Paulo Silva faz, que o Victor Hugo canta, que o Luiz Coronel escreve. É dessa magia que nascerá um grande País; e nós precisamos fundar um País e entender que o Rio Grande do Sul é importante e quando eu penso no Rio Grande eu penso num País também, porque eu sou separatista; eu acredito no Rio Grande grande, de uma forma compacta. Eu penso assim, que em Porto Alegre moram os maiores escritores deste País; eu penso que em Porto Alegre mora um escritor da altura de Moacyr Scliar, traduzido para todo o mundo; em Porto Alegre, mora um ficcionista da altura de um Luiz Antônio Assis Brasil; da altura de Tabajara Ruas, um contista que para mim é o maior contista brasileiro e já disse publicamente, como Sérgio Faraco; nós temos editoras fortes, organizadas, polivalentes, como a LPM; em Porto Alegre, mora um vendedor de livros, um “best-seller”, como costuma chamar o marketing – eu chamo marketing americano – isto tudo mora aqui, como o Luiz Fernando Veríssimo, que é um grande vendedor de livros, independente de ter todo o talento. Então, mora aqui um velho mágico, chamado Mário Quintana, que é o maior poeta deste País.

Nós temos todas essas coisas, cercados por todos os lados, mais este País, quando abrimos o leque da cultura, deste País e vemos os dez livros mais vendidos em quaisquer jornais do centro do País, todos os livros são estrangeiros, a entender que não exista a literatura brasileira. É que tudo isso tem uma dinâmica contrária aos interesses da cultura. Eu me lembro que, no começo da década de 80, organizou-se o “Rock in Rio”, que era uma tremenda imposição cultural sobre a música popular brasileira e o Governador Brizola foi contra. Mas a marcha do mundo capitalista não permitiu maiores saídas e daquele momento se decretou que o “rock” era a música brasileira e tocada em todas as rádios e nossos grandes talentos hoje não podem tocar. Acho uma coisa cultural séria, nós temos de parar e pensar alto nossas culturas e nossos valores para entendermos e construirmos um País.

Meus caríssimos amigos e irmãos, minha mãe, a quem tanto devo, principalmente na minha infância, meu companheiros e amigos de Porto Alegre. Porto Alegre, alegria para nós que precisamos, para nós que somos mais tristes que alegres e vivemos este tempo, essa morte, essa crise e essa transição que não passa. Porto Alegre, Porto Alegre, alegria para nós que precisamos. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Cabe ler uma correspondência ao nosso homenageado (Lê.)

“Entregar-lhe o Prêmio Érico Veríssimo é resgatar a poesia das ruas e das esquinas de Porto Alegre e valorizar o canto dos homens anônimos, dos heróis sem medalhas.” É subscrito pelos jornalistas da Sucursal da revista “Isto É”, jornal “Gazeta Mercantil” do Rio de Janeiro.

Minhas senhoras e meus senhores, efetivamente se constata no dia de hoje que é difícil a convivência com os poetas, de vez que nosso Kenny Braga nos abandonou e ficamos nós aqui, Adão Eliseu, Gladis Mantelli, eu, aqui na Mesa, diante da figura do Gaúcho-Mineiro Guilhermino César, tendo dificuldades em findar a Sessão. Os poetas criam esses paradoxos próprios, de maneira que encerro esses trabalhos dizendo que a Câmara Municipal de Porto Alegre, cada vez mais, procura, juntamente como o Executivo Municipal, redimensionar a cultura na Cidade de Porto Alegre.

Se é verdade que o Ver. Kenny Braga apresentou a proposta, também é verdade que esta Câmara aprovou na sua integridade, também é verdade que todos nós estamos aqui a cultuar o trabalho de Luiz de Miranda, não só o seu mas de todos aqueles que contribuem mesmo os que vêm de Minas Gerais para aqui engrandecer a nossa terra e a nossa gente.

Sou grato a todos os Senhores e a nós – que não somos poetas – cabe a humilde tarefa de dar por encerrada a Sessão.

Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h44min.)

 

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